quinta-feira, 24 de maio de 2018

Salve João Ferreira!

    Em seu livro 'Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra' Mia Couto me faz pensar na impermanência e localizar como 10 anos passam rápido: 'morto amado nunca mais para de morrer'. João, parte da família de mesmo sangue que apoia o que se considera minhas danças estranhas, irmão generoso em seus ensinamentos, atravessou com potência os processos do Teatrodança.
    E mais mortes se somam aqui com Sérgio Figueiredo Ferretti, outro generoso em seus compartilhamentos sobre os rituais das brincadeiras populares maranhenses, que me propiciou a publicação das investigações em antropologia cênica que resultaram no trabalho 'Sagração Coureira', mito interpretado por Igor Stravinsky e mixado aos volteios da capoeira e do tambor, e que imolava a perda de nossa auto estima para renascer com graça na brincadeira crioula.
    'Espirais' nasceu em épocas de passagem acelerada das culturas maranhenses como incrementos turísticos, o que me levou às composições do período colonial, o medievo-nordeste como denominou o 'Música Antiga', que fortaleceu nossos ideais. João Ferreira materializou as veias latino americanas abertas com texto publicado no programa, que possibilitou objetivos claros ao Teatrodança:   

'Para entender o Brasil, é preciso colocá-lo em seu contexto, a América Latina, com a qual não se identifica integralmente, mas participa daquela mesma comunidade de origem ibérica, com traços religiosos comuns, além de estilos políticos e de insucessos equivalentes no árduo caminho da modernidade política, ética e econômica.
Assumir a condição mestiça é nosso imperativo de autenticidade e a condição para discussão de nossos problemas coletivos.
Em tempos passados, viajantes aportavam ao Brasil e, passado um tempo escreviam relatos que muito alimentaram o imaginário dos europeus como o nosso exotismo. Muitas mentiras, com sabor de aventuras, tornaram-se verdadeiras, como autênticas premonições sobre a realidade futura (agora presente).'             

    Aproveito a circunstância de morte para realizar ritual afetivo de devolução aos Tremembé do município de Raposa, Durval-Francisca-Rosa-Valquíria, que na montagem de 'A terra chora' ensinou como os mais truculentos e assassinos exterminadores da cultura indígena não retira dela o aspecto do bom coração, que é generoso, límpido e compassivo.
   Hoje, quinta, 24 de maio-2018, celebro meu irmão morto com os Tremembé, e devolvo para a comunidade os materiais do espetáculo, processo discreto e sofrido.